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O Símio Escriba

  • O Anacrônico
  • 11 de mai. de 2020
  • 6 min de leitura

Quando me propus a escrever este texto, sinceramente eu não tinha a mínima idéia do que iria falar. Fiquei meditando por algum tempo, e depois de alguns minutos me peguei pensando sobre como tudo isso começou, sobre como e quando passamos a gravar nossos pensamentos de modo a deixá-los para a posteridade. É claro que hoje em dia o conceito de escrever é tão natural que nem nos damos conta da importância dessa poderosa arma do conhecimento, escrevemos e lemos com tanta facilidade que nem nos parece ser tão importante. Mas para ilustrar melhor, irei propor um exemplo. Suponho que todos que estão aqui apreciando este texto saibam ler e escrever, pelo menos em português. Agora imaginem-se sozinhos em um país estrangeiro, cuja a escrita e o idioma são desconhecidos, e vocês precisam encontrar um endereço em um mapa escrito na língua local, sem nenhum intérprete para lhes ajudar a entender e por fim chegar ao seu objetivo. Imaginaram? É assim que os analfabetos se sentem. Todos já ouvimos falar no termo "pré histórico", mas poucos sabem o que ele realmente significa. O período pré histórico compreende o tempo antes da invenção da escrita, pois só a partir dela criou-se a história documental. Antes disso, todo tipo de conhecimento era transmitido via oral, então estávamos a mercê dos detentores desses conhecimentos a passarem adiante ou não, e também é plausível imaginar que muitas informações se perdiam ou mudavam nesse sistema. Com a escrita é diferente, o que está gravado é imutável, mesmo que não corresponda à verdade total, está lá, onde quer que seja, em tabuletas de barro, na pedra, no papiro ou no papel. Receitas, músicas, documentos, mensagens e etc... Tudo isso transformou a humanidade. Todos nós, enquanto vivos, estamos gozando do ápice da sapiência humana e todas as tecnologias que isso trás. Hoje a escrita é só mais um dos meios de gravarmos nossos pensamentos, atualmente temos gravadores de áudio e de vídeo, mas a escrita é a única que não precisa de eletricidade para sobreviver ou reproduzir, pelo menos não as escritas em objetos físicos. Computadores, celulares e tablets, todos esses equipamentos são grandes aliados na propagação de idéias, porém, sem energia elétrica não são nada. O ponto em que eu quero chegar, é que mesmo existindo todo esse arsenal tecnológico ainda existem pessoas alheias a tudo isso, assim como eu disse acima, os analfabetos vivem de forma pré histórica em tempos modernos. Muitos até usam celulares, mas ao invés de utilizarem a escrita para se localizarem no aparelho, eles usam os ícones dos aplicativos para se acharem, e podem conversar tranquilamente via telefone ou por áudio nos aplicativos de mensagem. A história documental para essas pessoas é um mero agrupamento de símbolos indecifráveis sem relevância informativa alguma, pois ainda vivem, unicamente, através de interações orais, quando não por identificação de ícones e desenhos básicos, assim como nossos ancestrais faziam. E quando a burocracia chega até eles, é necessária a ajuda de um intérprete letrado para decifrar as informações obrigatórias para existirem legalmente perante a sociedade. Nossa espécie surgiu neste planeta a no mínimo cento e noventa e seis mil anos, mas fazemos parte de uma grande família muito mais antiga que isso chamada hominídeos, e em tempos remotos outros como nós também andaram por essas terras. Só de espécies consideradas humanas foram onze, mas infelizmente só a nossa continua viva. Somos primos não tão distantes dos símios, que são os gorilas, chimpanzés e orangotangos. A idéia de uma pré história na qual não sabemos nada sobre os nossos ancestrais que lá viviam é falsa, pois apesar de não existir a escrita na época, sabemos muitas coisas por alguns fatores cruciais sobre o passado. A escrita surgiu a cerca de seis mil anos na Mesopotâmia e depois no Egito, mas até então somente pessoas com muitos anos de estudo, geralmente a elite, eram capazes de ler e escrever, devido a complexidade e variedade dos símbolos, alguns sistemas podiam conter mais de mil signos diferentes. Só uma curiosidade, o primeiro texto que se tem conhecimento, é de uma receita de cerveja, na minha opinião, não há nada mais humano do que a vontade de se entorpecer. Porém, somente com a criação de um alfabeto fonético de vinte e duas letras, elaborado pelos fenícios, em torno de três mil e trezentos anos atrás, foi que a escrita de fato se popularizou e se espalhou. Mas muito antes, cerca de quarenta mil anos anteriores a sua invenção, nossos ancestrais já gravavam seus pensamentos através de pinturas em pedras e em cavernas. Em vários locais do mundo podemos encontrar diferentes tipos de expressões artísticas e diferentes temas relacionados à vida cotidiana, como animais, ferramentas, lanças, palmas das mãos e seres antropomórficos. Esse tipo de arte-comunicativa é conhecida como Pintura Rupestre, porém, ao contrário da escrita, podemos apenas supor e especular o que esses desenhos realmente queriam dizer ou significavam. Além disso, os humanos antigos também confeccionavam vasos e tigelas adornados, além de pequenas estátuas ritualísticas, muito provavelmente eram representações de alguma divindade criadora, como as conhecidas estatuetas da deusa Vênus. E outro fator de suma importância para conhecermos tanto sobre o passado pré histórico, é que toda forma de vida ancestral que por aqui passou deixou um rastro de sua existência, e a paleontologia e a arqueologia, através dos seus métodos científicos de pesquisa, nos trazem com riqueza de detalhes os modos de vida dos nossos mais remotos ancestrais, e junto com a antropologia conseguem chegar a conclusões bastante razoáveis sobre a estrutura social desses indivíduos primitivos. E uma dessas conclusões é que de todas as onze espécies humanas que habitaram o planeta, ao longo de um período entre dois milhões e meio de anos atrás, até cerca de trinta mil anos, quando a penúltima das espécies humanas foi extinta, os Neandertais, somente a nossa foi capaz de criar arte como meio de comunicação e que posteriormente viraria a escrita. Devemos entender que não foi de uma hora para a outra que isso aconteceu, foi um processo que durou dezenas de milhares de anos até termos tudo o que temos hoje. Muito provavelmente sem a escrita não teríamos as ciências e todos os adventos que delas surgiram, mas também é certo dizer que mesmo sem a escrita não seríamos simples passageiros na nave Terra, pois mesmo antes dela já éramos os maiores predadores do planeta. A única coisa que nos diferenciava dos outros animais, era a capacidade de criar armas, ferramentas e roupas que facilitaram a conquista dos mais inóspitos lugares e a dominar a fauna e flora local, de resto, éramos só mais uma espécie no meio de tantas outras. Lembrando que somos apenas primatas como qualquer outro macaco que aqui habita. A cerca de quinze mil anos atrás, aconteceu um evento chave para o surgimento da escrita. Alguns clãs nômades de caçadores e coletores descobriram uma forma mais eficiente de sobreviver, a pecuária, que nada mais é que cercar um grupo de animais em um local fixo, ao invés de ficar os perseguindo por dias cobrindo vários quilômetros, sem contar que mesmo assim a caça não era garantida. Nos tornamos sedentários no sentido de ter um local imóvel para morar, tínhamos rebanhos para nos alimentar e nesse momento também surgiu a agricultura, quando alguns coletores perceberam que as sementes descartadas, de algumas plantas e frutos que consumiam, brotavam na forma de novas mudas, sendo assim também poderiam simplesmente cultivá-las ao invés de ir coletá-las ao longe. Temos aqui a receita perfeita para prosperar, e com mais segurança e mais alimentos por perto, nossos ancestrais tinham mais tempo livre para pensar e criar coisas novas, e alguns milênios depois uma dessas inovações foi a escrita. Essa mesma que estou praticando aqui e agora, essa mesma que me permite colonizar linhas em branco com os meus mais profundos pensamentos, essa mesma que mesmo depois da minha morte perdurará centenas ou milhares de anos além. É uma pena que nenhuma outra espécie humana tenha sobrevivido ao tempo, seria sublime ver os feitos que nossos primos próximos poderiam ter realizado, que tipo de linguagem e escrita eles poderiam ter desenvolvido, que tipo de cidades e estruturas sociais eles poderiam ter construído. Mas não posso esquecer que ainda temos nossos primos não tão distantes, os símios, e com o passar do tempo, conforme vamos destruindo os seus habitats naturais, é mais comum vê-los em ambientes humanizados, como zoológicos e laboratórios. Já vi muitos deles fazendo coisas fantásticas num sentido cognitivo e intelectual, já até testemunhei um gorila se expressando em libras, que é a linguagem de sinais. Quem sabe um dia, depois de tanta influência humana, eles não sejam os próximos a terem o privilégio de eternizar seus pensamentos através da escrita. Pois se nós humanos, uma simples espécie de primatas antropóides, que através de centenas de milhares de anos de evolução conseguimos. Por que eles não? Já pensou, um símio escriba? Eu já!

1件のコメント


Eduardo Brum
2020年5月14日

O engraçado desse texto que ele desperta várias linhas de possibilidades dentro da nossa linha de raciocínio, é fato que o final do texto já dispara um pensamento sobre uma possibilidade, porém eu entendo que a real intenção, não é ficar naquilo que o texto dispões e sim nos fazer pensar. Do jeito que a linha evolutiva funciona, existe um número de possibilidades quase infinito. E se em vez de um símio escriba surgisse um felino evoluísse a tal ponto?

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